Tudo parecia um grande borrão diante de meus olhos. E meus ouvidos pareciam ignorar os sons que recebiam, ou talvez fosse apenas meu cérebro falhando em interpretar todos os sinais sensoriais que estavam a minha volta, como se num lapso, tivesse esquecido de sua função. Uma crise de identidade? Achei que isso estivesse ligado apenas a nossa consciência. Quando percebi que estava em meu corpo, meus olhos passearam ao redor curiosos, como se tivessem sido privados de explorar o mundo por uma eternidade. Uma explosão de cores vivas e faces que, apesar de parecerem familiares, eu não conhecia, mas ao contrário de mim todas as pessoas ali pareciam me conhecer. Elas perambulavam pelo local - todas do sexo feminino - em roupas simples, mas extremamente bem cuidadas, dando a impressão de terem sido tecidas por mãos divinas. Antes que pudesse me dar conta, todos os olhares estavam voltados para mim, da cabeça aos pés, analisando detalhes dos quais eu jamais teria capacidade de notar. Estas mulheres se mantinham em seu trabalho enquanto cochichavam coisas sem muito sentido, mas que pareciam algo normal em suas vidas: a chegada do dia, a ira de um homem, o caminho da morte. Apesar de discutirem profundamente sobre os eventos cotidianos, suas atenções não se desviavam do trabalho que estavam fazendo, puxando linhas e tecidos, amarrando fitas, arranjando flores incessantemente até que tudo parecesse perfeito.

O lugar era belo em toda a sua complexidade, e olhar para todas as minúcias enchia a minha boca com palavras como a saliva preenche a boca daqueles que avistam um grande banquete em suas vidas. Mas as palavras não saíram dali. Restava a mim observar a tudo calada, com o grande sentimento de estar perdida em um lugar que eu tão bem conhecia - contudo, não me lembrava. Flores das mais diversas formas e cores que emanavam os mais deliciosos aromas, cortinas de seda e de tecidos que de alguma maneira eu sabia que não pertenciam a meu mundo. Vasos e esculturas ricas em detalhes, em tons pastéis que harmonizavam com os móveis feitos em madeira, estes assim decorados com cores tão vivas quanto as das flores ao redor. Tudo ali parecia muito confortável e belo. Após o silêncio da contemplação, vieram as dúvidas: por que estou aqui? O que estou fazendo aqui? Por que estão me vestindo e me enfeitando dessa forma? - Algo não estava no lugar. Nada se encaixava. Eu deveria saber. Meu peito se enchia de ar numa inspiração profunda, porém esse mesmo ar se desfazia na minha boca em meio a murmúrios e sons desconexos. 

- Está tudo bem? - uma das jovens falou num tom mais alto, claramente se dirigindo a mim. 
- Ela só está nervosa. - a outra a seu lado respondeu, cuja aparência se fazia mais velha e madura. 

Ambas riram baixinho e voltaram a cochichar sobre experiências tediosas que renderiam ótimos livros de fantasia. De repente se calaram, despertando minha curiosidade, mas por medo de estragar o trabalho que elas estavam realizando, permaneci parada e resisti à tentação de virar de costas, esperando ansiosamente para que notassem minha feição de curiosidade e saciassem-na. O barulho do tecido arrastando pelo chão misturado aos passos fez minha espinha congelar, e ao perceber que algumas das moças no local se viraram e se curvaram em respeito, minha curiosidade falou mais alto. Puxei um pouco do vestido de cada lado e fui me virando cuidadosamente, obtendo ajuda de uma das moças. Ergui minhas sobrancelhas num gesto de agradecimento e encarei a mulher que caminhava em minha direção com um sorriso no rosto ao qual eu não sabia dizer o que necessariamente representava. Entretanto, sua aura era tão poderosa que fez meu coração palpitar como o de uma jovem adolescente encontrando seu primeiro amor. Sua feição de calmaria e plenitude me intrigava, pois ao mesmo tempo que tal feição fosse como A Manhã de Peer Gynt, seu olhar era feroz e parecia emanar um fogo capaz de moldar qualquer metal neste universo. Pássaros a acompanhavam, entrando por entre as cortinas para observar tamanha beleza. Seus cabelos ondulados me traziam a reminiscência de um mar em infinito movimento, e o dourado das mechas me faziam pensar numa manhã de sol que nunca existiu. Perdida em tanta admiração, tentei reproduzir o gesto que as jovens ao meu redor realizavam, curvando-me o máximo que a roupa a qual eu vestia permitia. Devo ressaltar a este ponto que meu corpo nunca fora do mais adepto a roupas elegantes e espalhafatosas, e que nada que restringisse meus movimentos durava por muito tempo. Como um monstro adormecido, aquele incômodo ali permanecia em silêncio, calado por todo o estouro dos acontecimentos recentes. Depois de alguns segundos naquela posição de reverência, notei que a expressão da mulher era de curiosidade, como se ela estivesse surpresa ao me ver curvada daquela forma. Ainda que sentia que jamais nos equipararíamos, pois sua energia estava acima de todas as coisas, talvez tivéssemos alguma espécie de laço de amizade.

Ela trazia em suas mãos um adereço dourado circular preso a um grande tecido branco, ofuscado pelas jóias em seus dedos e pulsos, mas ainda assim belo. Nada se comparava a sua beleza, muito embora todas as peças daquele quebra-cabeças fossem de grandiosa beleza. E isso era angustiante. O mais impressionante naquele local era como o tempo passava: lentamente em sua maneira mais normal possível. Não havia pressa, não haviam compromissos de amanhã, chegar cedo no trabalho, entregar relatórios, nada destas coisas de nosso mundo importavam para os seres que ali moravam. Era como se o tempo fosse... Eterno. Ainda que estivesse parado, ele fluía numa dança magnífica, mudando as estações, regendo o movimento dos astros. Tal tempo fluiu nos passos da rainha em minha frente e enquanto recuperava minha postura, meus ouvidos se recusaram a entender o que esta dizia. As jovens continuavam em silêncio, deixando apenas a voz doce da mulher de cabelos dourados soasse por todo o local. Até mesmo os pássaros cessaram em seu canto. Seus dedos da mão esquerda tocaram meu rosto, erguendo meu queixo enquanto seus olhos penetrantes analisavam minha feição perplexa. Minhas bochechas coraram tanto a ponto de sentir minha pele queimando em meio à vergonha de estar disposta para tal análise de alguém tão importante, e por ter me dado conta disto foi que não consegui olhar em seus olhos, procurando refúgio. Resolvi olhar por trás de seus ombros e avistei um enorme campo por entre as cortinas, onde os raios de sol tocavam gentilmente a grama. O tempo novamente parecia estar congelado em meio a vultos e borrões e sons que meu cérebro mais uma vez falhara em interpretar. Mas enquanto este tempo para mim estava paralisado, ele corria inabalável para todo o resto do mundo, e dentre aquela confusão temporal me peguei com o rosto semicoberto, e minha visão que uma vez contemplava a paisagem lá fora, parcialmente obstruída. 

O meu mundo só voltou ao normal quando a adição de outra pessoa no recinto, que em meio a passos ásperos chamou minha atenção. De alguma forma, senti meu coração palpitar da mesma maneira de antes, mas já não era mais meu coração ali, e sim algum tipo de corpo celeste que queimava minhas entranhas e puxava minha alma em um ritual gravitacional que não parecia ter fim. Minhas mãos procuraram algo para me apoiar e encontraram o braço de uma cadeira, enquanto desta vez nenhum dos olhares parecia estar voltado para mim. Intrigada por tal fato, tentei remover o pano que cobria parte de meu rosto e fui repreendida pela mulher que o segurava, através de um leve tapa em meus dedos. Meu espírito, cheio de energia, gritava em curiosidade, perguntando-me: quem é que está ali? Por que todos os olhares se voltam ao seu ser? Por que não a deixam olhar também? E novamente, o incômodo das vestes apertadas e pesadas viera a falar, porém mais uma vez o mesmo fora calado. 

- Você não deveria estar aqui, ... - disse a mulher.

Espaço em branco. Era como se todos ali falassem uma língua a qual eu não tinha conhecimento total, portanto algumas palavras se tornavam signos impossíveis de serem interpretados. Nem mesmo se eu quisesse conseguiria reproduzir o som dessas sílabas perdidas. A curiosidade me incomodava tanto e meus olhos fitavam a única brecha disponível abaixo destes, o que para minha felicidade ainda permitia que eu observasse algo. E assim vi os pés de um homem, calçados por uma espécie de sandália em tom dourado, tal como os cabelos da mulher que viera me entregar o adereço e o colocar em minha cabeça. Estava encostado em um dos pilares, como se estivesse descansando, e em resposta à mulher ele riu, tocando no chão a com ponta de uma espada cuja lâmina parecia ter cortado por muitos caminhos. Com a outra mão, largou um equipamento carregado de flechas tão douradas e se não mais que a vestimenta de seus pés, e a tal ponto eu já não confiava mais no que meus olhos viam, pois estes juravam que alguma luz emanava do rapaz e refletiam nos detalhes dourados de suas armas, seus reflexos passeando por todo o ambiente à procura de meus olhos, que se cerraram num gesto único. 

Outra confusão me distraiu enquanto meus olhos fechados doíam com o reflexo da luz dourada. As pálpebras pressionadas pareciam reproduzir um zumbido em meu cérebro e este permanecia incapaz de entender todos os sinais em minha volta. Eventualmente o homem respondera e as jovens reproduziam risinhos animados mais uma vez, voltando ao trabalho de antes, desta vez havia algo ali que provavelmente as desconcertava, pois uma delas errara por me espetar na mão, a qual puxei rapidamente num gesto de dor. Contudo, minha mente estava tão perdida que eu não pude perceber se houve algum pedido de desculpas ou retratação pelo ato, e tudo o que me restava de sanidade tentava compreender o que os dois seres de energia majoritária conversavam. 

- Ela está bela? Por que não posso ver? 

Abri os olhos, mas não conseguia enxergar mais nada além do pano que ajustavam em minha cabeça. 

- ... pura? ... enquanto... escuridão... laços... ansioso... ela deve. 

As palavras ecoavam, desconexas.

- Assim realizarei seu desejo, Hera, e me retirarei. - então o silêncio voltara, deixando um vazio estranho com o qual me puxou de volta para minha plena consciência. Algo que me falhava na percepção havia acontecido, pois o ambiente já não estava mais o mesmo. O tempo continuava correndo como se nada pudesse o abalar, ao passo que as jovens continuavam realizando seu trabalho. O pano por fim fora ajustado ao redor de minha cabeça, cobrindo boa parte de minhas costas, e deixando meus olhos livres mais uma vez. Entretanto, nada mais parecia tão interessante quanto antes, e tediosamente esperei por todos os apreços em forma de adereços serem anexados ao tecido, pequenas flores tão delicadas que o medo de tocá-las e estas se desfazerem era enorme. 

Por fim no que a mulher - que agora, descoberto seu nome, chamava-se Hera - ajustava com seus delicados dedos o tecido entre minhas mechas escuras, duas de suas súbitas - não se apegue a títulos, tudo o que sei era que eram submissas à mesma - começaram a passar fitas longas de seda na parte de trás do traje, e em cada puxada, meu tórax era comprimido. O que não seria um problema, não fosse a sensação explosiva que tomava conta de meu peito. 

Minha boca procurava o ar erguendo-se numa súplica enquanto as palavras não saíam por nada, e meu pulmão tentava se expandir, cada vez mais sendo comprimido. Os braços gesticulavam de forma desesperada e eu já não tinha mais controle sobre estes, pois eles assumiram uma posição de luta ao saber que meu cérebro não estava apto para reagir ao perigo. Hera me olhou curiosa, indagando:

- O que está acontecendo? 
- N... Não... - assim saiu a primeira palavra de minha boca depois de todo aquele tempo, enquanto meus olhos, arregalados, a fitavam. 
- Não? O que houve com seu olhar? Por que o pânico? 
Meus olhos marejaram. - Não... 
- Está pensando em desistir? Mas vocês sempre foram tão

Minha visão escureceu, e assim como o sol que dá espaço para a lua durante a noite, minha consciência também deu espaço... Para o nada. A única sensação que ficara comigo até meu último respirar fora a de ter meu peito esmagado pelos pés de dez mil soldados. 

E por fim desmaiei. 
Oi pessoal, tudo bem? Hoje vamos falar sobre luas, em específico a Lua Cheia. Os nomes de cada Lua Cheia tem sua origem nas tribo dos nativo americanos, no atual norte e leste dos Estados Unidos. As tribos acompanhavam as estações do ano ao dar nomes distintos a cada Lua Cheia recorrente, e seus nomes eram aplicados ao mês inteiro onde cada lua ocorria. Como o mês lunar tem apenas 29 dias em média, as datas de cada Lua Cheia mudam de ano pra ano.

Esse mês de maio nós temos a Lua Gélida, ou Frosty Moon em inglês. Se vocês procurarem na internet verão que o mês de maio é reservado pra Lua de Flores, mas isso é porque no Hemisfério Norte as estações são completamente diferentes, como estamos a caminho do inverno (apesar de não termos um inverno de verdade, com neve e tudo mais), e, obviamente, estamos no Hemisfério Sul, as datas mudam. É a mesma coisa que rola com a Roda Norte/Sul e os Sabbats.

Tá, mas o que isso significa?

A Lua Gélida, também conhecida por Lua Cheia do Castor, data uma época onde os nativos da América do Norte colocavam armadilhas para castores antes que os pântanos congelassem, para que assim eles tivessem suprimentos suficientes para passar o inverno, como carne e pele para se aquecerem. Outra interpretação é de que o nome Lua Cheia do Castor vem do fato de que os castores nessa época estão se preparando para o inverno.

E como podemos aplicar esse conhecimento no nosso dia a dia dentro da Arte?

A Lua Gélida traz com ela os primeiros sussurros de relaxamento, vestindo a nossa vida diária com uma gentil quietude. Ela faz com que nos acalmemos e entremos em um estado de reflexão, revisando tudo que aprendemos até então. Nos traz paz, ajudando-nos a nos livrarmos de impurezas e padrões de pensamentos antigos para que possamos nos entregar a uma sagrada cura profunda. Pedras carregadas sob esta lua trarão calmaria e paz.

Boa para feitiços de banimento, introspecção. Pensem na preparação pro inverno, vocês já colheram o que plantaram e agora estão se preparando pra um momento de tranquilidade. Antes de entrarem de cabeça nesse período de reclusão, tirem um último momento para analisarem a si mesmos e o que vocês fizeram até então. Estão satisfeitos com os resultados? Analisem-se, expulsem o que não pertence mais a vocês, e relaxem. A Lua Gélida nos fala de um momento de paz interior, mas também de auto análise e frias verdades. O inverno chega, eventualmente, para todos.



Bênçãos dos Deuses.